De Carapicuiba a Itapevi


No meio da noite seca, uma luzinha triste que insiste em brilhar,
nos trens e ônibus a felicidade em fórmulas prontas, encapados e vendidos no varejo.
A moça bonita que não usa vestido. A feia que sorri para a vida.
Do alto dos seus quarenta e tantos, ela - àquela mulher - tem vida e gana nos olhos,
ilumina a sala com um sorriso franco e lindo, domina o que faz mas não conta a ninguém, e diz:
o calor não combina com essa cidade.

Triste daqueles que moram em Carapicuiba!
Porque Carapicuiba é longe - até de sim mesma - e sempre será
ainda que o progresso perca os freios e os trens corte suas veias sem piedade.
Como são cinzas as casas as margens da linha do trem,
como são feios esses ribeirinhos de ferrovia, e
o calor não combina com essa cidade.

Ele comprou do camelô um agrado para o filho
e traz no peito uma foto desse seu tesouro em travessuras.
A mulher não gosta dele, não gosta do filho e nem de si.
Sonha com os artistas da tv, vive a vida das revistas e quer a qualquer preço fazer uma plástica;
viu na cidade um anúncio que dividia em dezenove prestações.
Ia ficar parecida com a moça do programa vespertino,
bastava perder uns trinta e cinco quilos. Ela sofre com e também acha que
o calor não combina com essa cidade.

Que sonhos sonham o povo de Itapevi?
Sonhos em tons de cinza chumbo,
como a rotina matinal do trem lotado, do apito da fábrica,
café com leite, pão com manteiga e uma enorme vontade de dar umas porradas no encarregado.
Esse filho da puta folgado!.
Mas, faz muito calor e
o calor não combina com essa cidade.

No meio da praça uma fonte pobre esguicha água sem estar muito convencida disso.
No meio do vagão ele respinga suor, sem estar muito convencido de que isso vale a pena.
Tem uns primos que são bichos soltos e o convidaram para fazer uma fita.
Coisa fácil, dinheiro na mão, mas ele tem medo. Prefere fazer uma fezinha toda semana.
Desde que chegou de Itabuna, tem uma idéia que não lhe sai da mente
o calor não combina com essa cidade.

Embotados de poeira e suor
anonimos balançam pelas perifierias feias.
- Onde eu deixei meu lenço?
- O calor nao combina com essa cidade...