Traduzir-se
Escrever é um ato declarado de sofrimento. Só um escriba compreende a dor de quem se traduz em palavras. Por que converter hormônios, suor e dasassossego em linhas, tem o mesmo peso de se fazer uma auto-denúncia espontânea em coreto de praça pública.
Só escreve quem não cabe em si de tanta inquietude e se o faz, é por medo de transbordar ou se afogar emaranhado em suas próprias disparidades. Escrever não enobrece nem redime, é apenas uma questão de necessidade, nada tem a ver com narcisismo ou amor velado. Pelo contrário, ao fazê-lo está se produzindo a todo instante provas contra si.
Mas, e não escrever, seria possível? Não se sabe. Antes há de se preencher o vazio deixado pelos signos com o domínio de alguma ciência dos homens, ou pela virtuose de quem domina um instrumento, ou ainda pela febre dos que carecem fazer descobertas que agitam a alma. Não é uma questão de opção escrever, quem o faz traz marcado no corpo o estigma malsã dos que querem viver tudo de uma única vez.
Escrever ou traduzir-se - no fundo uma coisa só - é fazer um manual de si. É cravar na carne com obstinação espinhos e deixar escorrer o sangue para ver emergir o que sobrou. Na há meio termo para quem se expõe feito carne em açougue. Viver na corda bamba sem rede de proteção é a vida dos escribas. Só quem carrega consigo o antagonismo dos suicidas e vive à beira do abismo em tempo integral escreve. E o faz esperançoso, como os que mandam mensagens em garrafas ao mar.
Escrever, produzir, ou construir uma mesa, é ofício. É resultado que brota de quem se esmera e transpira em busca de coisas simples como uma janela aberta para o sol.
Inventado por: Henrique Neto às 17:29 | Link |
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