Casa de janela aberta para a rua
Seria muito fácil escrever sobre você, o jeito como você me trata, seu desprezo pelos meus sentimentos, seu excesso de preocupação consigo e sua exacerbada consciência de si. Mas eu não posso, ou não quero, porquê será desnecessário.
Chega de achar que tudo entre nós é literatura, cansei de velar seu sono, lavar sua roupa, fazer sua comida e me impregnar de ti. Cansei. Creia! No meu estreito pensar (e esse termo é bem seu) não há espaço onde eu possa racionalizar sua predileção por qualquer besteira da tv a mim. Não há.
Se você um dia ao menos considerar que além de você e você mesmo há mais pessoas no mundo, vai perceber o porquê de eu não aguentar mais essa situação, e diferentemente do que você tenta dizer com suas artimanhas e labirintos verbais para me convencer que não tem culpa, dessa vez, ao menos, não vou me deixar enganar. Prometo.
Nada do que eu diga, pense, faça, tencione ou respire está bom. Até consigo imaginar você desfilando num ringue com uma daquelas placas enormes com minha nota depois de cada cena. Frustrante, mas é assim que você age, fulltime. Na verdade você me cansa. Corrijo. Você sempre me cansou, desde nossa primeira conversa. É muita pretensão e insegurança, não sei para quê, mas você desenvolveu essa casca hostil. Eu tenho pena de ti. Não, eu tenho pena de mim que te aturo por todo esse tempo.
Eu nem sei porquê estou deixando essa carta. Eu devia simplesmente ir para quando você chegar do trabalho e tirar o sapato e for no quarto me procurar, só encontrar minha ausência econômica.
Estou levando minhas roupas e nada a mais. Nenhum livro, disco, caixa de ferramentas, garrafa de bebida ou objeto qualquer. Prefiro não correr o risco de carregar adiante esses ícones que podem me trazer de volta a ti (ainda que só em pensamento).
Minha ida hoje é apenas a ponta de uma trama que comecei a tecer há meses. Você não vale a pena, tenha certeza disso. Parto (no momento em que você estiver a ler esse trecho o verbo deverá ser conjugado no pretérito mais que perfeito) e a você peço uma coisa apenas: não me procure. Saia da minha vida tal como eu fiz com a sua. E quando a fatura do cartão chegar, deixe na portaria. Eu passo para buscar.
Sim. Ao contrário do que você me disse todos essas anos, as coisas são bem simples.
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E todos escreverão para saber quem deixou de frequentar minha cama.
Inventado por: Henrique Neto às 00:15 | Link |
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