Do medo que vira raiva e outras histórias infantis
Raiva. Definira com essa única palavra seus sentimentos em relação a tudo. Tudo mesmo, desde as situações até as pessoas nelas envolvidas. Tudo igual.
Começou por uma raiva d'uma situação específica que durou algumas horas, depois, por outra situação foi uma raiva de dias, semanas e logo a sua bílis comandava a situação. Nada estava bom, emprego, esposa, filhos, família, clima, política, nada, nada, nada.
Tinha, há muito, trocado os verbos e desde então conjugava apenas o ser. Com vontade. Sem amigos, vizinhos, confidente, vivia enclausurado em seu azedume, pensava em números, sentia inveja, complexos e raiva.
Com raiva acordava e ia pro trabalho, com raiva voltava no coletivo lotado, com raiva chegava em casa, assistia o jornal (para aumentar sua raiva), e com muita raiva mesmo ia dormir. Ainda com raiva comia a mulher, e num explosão de raiva gozava. No outro dia, com raiva, era de novo a coisa do coletivo, trabalho, volta para casa e jornal.
Quando criança era outro o sentimento. Passava pelo medo. Medo de escuro, das visitas, de ir ao banheiro lá no fundo do imenso casarão, dormir só, da tia louca e sua conversa comprida (interminável conversa). Medo, era só o que havia.
O pior, meu irmão, é que depois de dizer essa história assim, de modo direto, com nome de personagem e tudo, ainda pensarão se tratar de ficção banal.
Inventado por: Henrique Neto às 00:11 | Link |
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