Habilidades
São três horas da tarde. Vejo no relógio sem querer acreditar. Lá fora, a cidade faz um esforço coletivo em querer me acordar. Estourei o prazo de enviar a coluna da semana e a luz da secretária pisca frenética com recados sisudos do editor. Dessa vez eu não escapo.
Deitada de bruços só de calcinha, uma quase estranha dorme no meu colchão. Por pouco não me esqueci seu nome, não fosse pelos dois enes que fez questão de frisar. Anna, é bom que conste. Com seu cabelo negro de azeviche dormia o sono dos notívagos. O apartamento estava tomado de restos e copos, não havia lugar se quer sem o testemunho da balbúrdia coletiva. Visto a calça me perguntando onde minha cueca foi parar. Na cabeça um pensamento pela ordem do dia: "vou jogar fora a garrafa do passport. Uísque paraguas nunca mais!".
Anna, atordoada, me pergunta que horas são. Respondo amável e ela sorri dizendo não se lembrar da noite passada. Ela com o cabelo belamente desgrenhado, desce comigo até a padaria onde tomamos café sem pressa. Anna chama a atenção dos presentes por sua beleza exuberante e pela cara de ontem denunciada pelo lápis de maquiagem escorrido no rosto.
Faz três dias que não vejo meu celular e isso me dá uma certa leveza. Sei que ele deve estar em algum ponto entre o quarto do computador e a área de serviço, mas a preguiça e a certeza que a Edna o encontrará na próxima faxina me deixa tranquilo – se não desapontado. A Edna é a prova irrefutável do quanto sou imprestável. Um homem que nunca lava suas próprias cuecas é a evidência mais clara de sua inferioridade perante as mulheres. Esse fato (isolado das demais incapacidades masculinas) prova que a mulher, com seu alto requinte e beleza de ser, está anos luz a nossa frente. Da infância a senilidade, o que seria de nós homens sem a providencial presença feminina? Quem mais nesse mundo é dotada da imensa capacidade de organizar e nos amar compulsoriamente?
Penso nisso tudo enquanto ouço Anna contar do seu trabalho no salão de beleza. Lembro de sua imagem de pura beleza agredindo aquelas dondocas gordas e pseudo elegantes, queimando o dinheiro dos seus maridos broxas na busca desenfreada pela beleza que não as pertence. E Anna lá, em seu trabalho inferior, lavando cabelos ruins entorpecidos de química, irradiando graça e despertando o ódio pequeno-burguês.
Anna chama minha atenção pelo seu modo único de comer com as mãos. Na noite anterior se deu por satisfeita somente depois de transar pela terceira vez. Exausta, desmaiou depois de gozar. Com rara obstinação e gosto pelo que fazia, Anna me presenteou com um dos melhores boquetes da cidade suscitando curiosidades que só nós, os homens, temos. Encontrar uma mulher com habilidades orais é como ganhar sozinho a sena acumulada.
Antes de se despedir, deixou claro que voltaria a frequentar meu colchão e alegrar as noites dos vizinhos que nos espiam através da janela aberta.
Inventado por: Henrique Neto às 10:55 | Link |
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