Penélope
A navalha corta meu cabelo. Me concentro na dor. Penso nela como uma rara possibilidade de ter estimulado pontos nervosos em minha cabeça que de outra maneira seria improvável. Jatos de energia descem em impulsos elétricos que se enraizam corpo abaixo. A dor quase se extingue, passa a ser apenas um gosto seco e cheio de ânsia, como quando estamos diante daquele segundo que precede o estouro de uma bombinha de são joão. Minha mente está em ALT numa transição indefinida.
Sentado na cadeira da barbearia, penso em Penélope enquanto vigio a navalha e me asseguro que o barbeiro com parkinson não vai me deixar a cara em postas. Não sou mais dono do meu corpo, ele agora é um ser autômato que pensa e tem gostos próprios. Ele me lembra Penélope e logo prepara uma ereção constrangedora. Da última vez estava de pé em frente da minha chefe, que sentada poderia –e deve– ter visto meu estado de priaprismo inoportuno.
Penélope virou uma entidade, uma agência reguladora do meu ser. Quando sai de casa, meu corpo bebe, vomita, e cambaleia chapinhando na poça do lado da privada. Na fila do ônibus, tomando um café na padaria, na reunião de trabalho, é Penélope quem vejo me cavalgando louca. Suada, com os cabelos maravilhosamente desgrenhados, Penélope me chupa e me agradece.
Quando vem à minha casa e me queima distraída fumando seu beque, quando usa minhas cuecas samba-canção para dormir ou simplesmente na sua ausência, Penélope são todas as mulheres que desfilam no meu campo de visão. Penélopes de todas as cores e lordoses.
Dia desses, no auge de um ato pleno de sodomia, Penélope cravou suas unhas em minhas costelas arrancando uma lasca de pele e carne e sangue. Perdi minhas referências de dor e agonia. Troquei todos esses substantivos por um só, Penélope.
Inventado por: Henrique Neto às 13:01 | Link |
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