Da arte de destruir tijolos
Cinco horas da manhã. João levantou-se pontual, lavou o rosto, tomou o café de todos os dias, encheu a garrafa térmica de água gelada e foi para a olaria. Estava preocupado havia dias, uma criação tinha morrido sem que seu soubesse a razão. João trabalhava pesado.
Sábado era dia de feira, conversa na porta do mercado e farra sem hora para acabar. No bar de Deca-pé-de-pão, na bodega de Bastião Coutinho ou onde tivesse uma roda de amigos bons, João matava o tempo com doses generosas de cachaça e seresta. Abençoado seja àquele que se acompanha de um violão para cantar!
Um funcionário seu, incentivado pela mulher, manda a enteada a procura de João para lhe falar um dinheiro emprestado. João reparou nas pernas roliças, cintura bem feita, ancas largas e malícia no requebrado da mensageira. João apreciador de mulheres de todas as espécies, religião, partido político ou cor, não deixou de passar-lhe uma cantada.
Dias depois, enquanto fazia a sesta na hora do calor maior, João cochilava na rede da olaria abraçado a sua amante – a mensageira de outros tempos. Os homens, como é sabido, padecem de grande sonolência depois do sexo. Sabe-se ainda que este é um dos momentos em que se acham mais vulneráveis e João, como qualquer outro, não esperava ser apanhado ali naquele momento.
A filha mais velha de João, de um gênio fino, ao flagar tamanho descaramento, saiu pisoteando um a um os tijolos recém desenformados (só as filhas conseguem descrever o ódio de ver o seu próprio pai agarrado a outra mulher que não a mãe). Ao chegar em casa contando a boa nova e receber atenção morna da mãe, ela se indignou mais ainda.
Hoje, quando a família rindo comenta essa e outras de João, o foco da conversa sai do delito e vai para a passividade da mãe traída. Sem saber, concluem logo que tudo é relativo, ainda mais quando se tem na história um caso de amor imensurável.
Inventado por: Henrique Neto às 21:39 | Link |
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