Periplanetas Australasiaes
Acordo supondo que o sol já passa da hora sem sombra. Abro a persiana instintivamente e lá fora, o dia de céu claro é um convite a boa prática do esporte. A essa hora, o parque deve estar cheio de esportistas acidentais. Não sinto essas necessidades frívolas. Dormir é bom e faz bem (a mim, pelo menos).
De pinote corro para o banheiro para aliviar a bexiga. Tomo um banho calmo, volto para me vestir no quarto e eis que, reinando em berço esplêndido, vejo uma barata morta sobre a cama. Uma barata, jazendo onde eu dormia há poucos minutos. Sou tomado por um pensamento automático: 'nojo!'. Meu lado humano grita, mas a razão – sempre ela – me acode: 'aqui, no alto do décimo andar, não há sujeira que ela tenha desfrutado sem você'.
Uma barata para alterar a ordem do dia. Penso em tomar mais outro banho. Rio da idéia pueril e de impulso, pego o inseto para jogá-lo no lixo mas antes, a observo na palma de minha mão com ar de quem vence uma luta e penso: 'como um ser tão inferior pode sobreviver às catástrofes que nós, os semi-deuses, nem sequer pensamos suportar?'. Life is not fair!. Além de termos de dividir o mundo com toda a sorte de bichos asquerosos, ainda temos de nos resignar com a idéia de inferioridade perante eles, no caso de catástrofe promovida pelos senhores das guerras. Não é fácil ser um semi-deus nos dias de hoje. Toda uma linhagem nobre com séculos de fantásticas histórias, preterida pela subespécie. A mais rasteira classe de operários da escuridão.
Lavo as mãos pensando no livro não lido de Clarisse, na beleza extraída do asco e nos estados controlados da mente. Vacilo em ir ao computador escrever uma história super-fantástica envolvendo dramas emocionais, caos, sedentarismo e baratas, mas a homeóstase não colabora. Afinal, às três e meia da tarde, o dia apenas começou para mim.
Inventado por: Henrique Neto às 15:50 | Link |
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