Tu, que...
Tu estás cansado, vês. Basta que olhes no espelhos para ver teus olhos esmaecidos. Admitas, sabes que o cansaço há tempos chegou e não dá dica que pretenda partir. Resigne-se. Tu que agora sai às sextas como não fizestes em teus dias de solteiro, tu que abandonas comodidades em busca de... Em busca de sabe deus o quê. Esse mesmo deus minúsculo em que só tu crês. É melhor mesmo que admitas.
Sabes que ao chegar em tua casa, deitar em tua cama e pensar no porquê de tanta precipitação em tua vida, lembrarás das lutas inglórias que encarastes sem esperar qualquer porvir. Sabes, não sabes? Sabes também (assim como eles) que não eram bem esses seus planos. Pensavas em uma juventude duradoura onde a ordem era não tê-la. Viverias cigano pelo mundo, como naquela manhã de domingo em que mandasse às favas teu concurso tão desejado – por ela, não por ti. Sabes também que a chaga que hoje trazes, foi fruto de arranhado, coisa pouca que só tu sabes como alimentar.
Mas, não admitirás nunca, não é mesmo? Jamais dirás que estivesse errado, falando demais e chorando pelos cantos da velha casa do pai. Errastes sim, mas sem expectativas por confissões expontâneas ou coisa parecida. Não dirias isso assim sem antes travar o cérebro com essas bebidas fermentadas, ou outras maneiras corriqueiras de entorpecer a alma. Não tu, um lorde que és!
Dissestes, e isso não faz muitos dias, que ao voltar de Natal, farias festas nababescas para reunir amigos, contar das peraltices, mostrar os últimos discos e tentar, ainda que de maneira vã, pôr um pouco de cor no teu prato. Farás essa festa ainda? Perdestes, pelo menos, àquela tua mania de velhice, formalismos e tons beges? Ostentas ainda o chapeu de outros dias ou suspensórios para reclamações que ela te fará?
Desse-me conselhos até outro dia, mas não praticastes o que diziam tuas palavras (puro esquecimento, dirás). Sabes, contudo, que não é fácil os dias que correm a perda do encantamento, teu trabalho monótono e as intermináveis seções de cinema. Pensas em, qualquer hora dessas, voltar para Caicó. E lá, como dizes há meses, quem sabe montar a tão sonhada agência de carros. Tudo isso, menos ficar em tua casa, onde não encontras alento nem hoje e sabe deus – o minúsculo – quando.
Inventado por: Henrique Neto às 23:41 | Link |
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