Ao Papai
Ele disse para eu vir, que eu ia ser bem feliz e "se deus quiser, tudo ia dar certo". Lembro dessas palavras – ainda lúcidas – dele. Lembro dos seus anos de glórias e batalhas e da maneira muito elegante como se vestia. Nunca vi esse homem trajando ao menos bermuda. Estava sempre de calça e camisa de mangas, não havia calor que mudasse seu estilo. Nem mesmo do chapéu Panamá abria mão.
Papai, hoje, passado muitos anos de nossa convivência, queria dizer que te amo. Na verdade sempre te amei, mas a pouca idade não me permitia entender ou sequer ter ciência disso. Sei hoje, mais do que nunca, que na verdade sou você em tudo. Meu caráter, meus atos, a forma de lhe dar com os outros e enfim, do homem que hoje sou, devo tudo isso a você. Quero agradecer por você ter sido o pai perfeito que você foi, mesmo sem saber que o era. O severo, generoso, trabalhador, boêmio, honesto e único como só você soube ser.
Me orgulha voltar à nossa cidade e perceber que, mesmo tendo passado algum tempo desde sua partida, ainda sou chamado de "o filho de João Henrique". Numa hora dessas a gente troca a angústia de não ter nome, pelo orgulho de encher de ar o peito.
Uma cena que ainda hoje se mantêm intacta em minha memória é, você preocupadíssimo, sentado ao batente da porta de casa, se perguntando como honraria um compromisso no dia seguinte. Na minha meninice sabia que alguma coisa te aborrecia, mas não que era a dívida com o outro que fechava seu semblante.
Lembro ainda, que adorava ir à noite para o mercado com você, para te ver jogar sua sueca sagrada. Voltar pela rua de mãos dadas contigo, ou ir para a olaria ver queimar as caieiras em que as labaredas lambiam o céu bem alto.
Tenho poucas certezas na minha vida, papai, mas uma dessas certezas é o nome que terá o filho que um dia quero ter. Se chamará João Henrique, como você, mesmo que esse seja o único.
Hoje à noite, papai, seu filho mais velho experimentará de uma rara sensação de prazer. Tendo ido muito além em sua brilhante carreira, receberá os louros de anos de correria pelo mundo à fora, e tenho certeza que em algum momento – tal como ainda hoje faço – ele olhará em meio a multidão procurando um rosto que há muito não se vê. E esse rosto, papai, é o teu que tanta falta faz. Que é o mesmo rosto que hoje enxergo quando me olho no espelho.
Inventado por: Henrique Neto às 08:30 | Link |
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