Tempo
Àquele cara que vendia capa de vídeo no viaduto do Chá, meu amigo, mudou. Deu uma diversificada e agora vende até capas para máquina de lavar. Não grita mais: "Caaapa de vídeo!, Caaapa de vídeo!, Caaapa de vídeo!, ..." com sua voz rouca que nos fazia ouvir sua garganta irritada, arranhando, à beira da falência. Talvez, por isso, tenha trocado o espetáculo pela sombra. Ele também fez luzes no cabelo, como todo favelado que se preze, para da uma melhorada no visual. Não conseguiu.
Eu até imagino ele, todos os dias de manhã levantando e lavando o rosto para vir para o Centro trabalhar. Café preto no botequim, ônibus lotado, gente fedendo àquela hora da manhã e lá, bem dentro dele, a certeza que tudo tem melhorado. Tem melhorado por uma razão: ele também mudou. Mudou, e essa mudança já lhe rende frutos. Mudou, assim como você e eu também mudamos.
E nós mudamos, amigo, isso é inegável. Mudamos por uma questão de necessidade, mudamos porque viver igual nunca deu pé nem nunca vai dar. Mudamos para continuar vivendo e muito por isso, a cada início de ano preparamos listas com resoluções, pensamos em comprar uma bicicleta, fazer aulas de inglês, viajar para a Lapônia ou qualquer ação que nos salve do cotidiano. Por que precisamos ser salvos, se não a onda vem e nos leva. Temos de mergulhar nela para não sermos derrubados, e é por isso que mudamos.
Se não mudamos, deveríamos ter. Sim, e por razões vitais ou pura necessidade de enganarmos a si mesmos (e aos outros). Sabemos que no fundo, tudo se resume a nossa vidinha de segunda a sexta. Mas quem dirá? Não há quem ouse. Haja coragem para admitirmos que estamos, vivemos, agimos e somos iguais, apesar do Big Brother e do beijo do Chico no mar do Leblon. Iguais. - Garçom, mais uma dose de resignação, por favor!
Você toca sua vida igual como era antes, e não há culpa nisso. O homem primeiro tateia e somente depois anda, porque nessas horas é o senso de auto-preservação que impera. Ninguém aqui tem vocação pro trapézio e por isso mesmo, é que ouvi você abandonar sonhos pelo caminho, pensando na garantia do aluguel no fim do mês. Na hora não quis (ou não pude) te compreender, somente hoje é que sei no que estava falando.
No fundo a gente quer mesmo é um domingo com Silvio Santos, passeios no shopping e todas essas certezas cotidianas cheias de segurança e nenhuma novidade. Queremos, porque sabemos exatamente como elas começam e acabam e dessa forma, não há risco para nós. Só o berço esplêndido das coisas, exatamente como as sabemos e sempre as faremos.
E a isso, amigo, chamaremos de mudança.
Inventado por: Henrique Neto às 20:46 | Link |
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