Carta ao amigo no bairro ao lado
É meu amigo, hoje sou eu quem precisa te escrever. As coisas estão esquisitas por aqui. Nossos amigos – como bem lembrou João – continuam na aba dos pais, reclamando do sistema e chamando o governo de "palhaço". As meninas, um tanto indóceis, continuam exigindo amor eterno, discussão da relação e fidelidade da nossa parte. Já não se pratica mais um sexozinho despretencioso por essas plagas. Uma pena...
Mas, como nem só de malogros vive esse seu amigo de alma velha e doída, é verão aqui em Natal, as meninas estão apetitosas em seus vestidos e saias, as praias estão a cada dia mais bem freqüentadas e aquele amigo, depois de tanto aperrear o juízo da gente, desistiu de Chomsky. "Já não era sem tempo", imagino você a dizer.
Acho que dessa vez opero daquele cisto cebáceo e paro de sentir dor no pé depois de fazer longas caminhadas. Na verdade não tenho caminhado nada, longo ou curto. Ter carro, além de ser uma brincadeira cara, te transforma num bosta mais preguiçoso e rechonchudo que o normal.
Parece que a venda de livros agora vai decolar, dizem até que vai ter uma queda nos preços. Eu duvido. Os livros que preciso comprar, mesmo aqueles podres de bolso, continuam caros. Ah, e como é fácil supor, as pessoas a quem empresto sequer dão-se ao trabalho de devolvê-los, ou quando o fazem, o pobrezinho vem num estado tão deplorável que era melhor nem ter voltado.
Eu continuo solteiro por uma razão muito óbvia, não tem nada melhor ter nascido homem, ter todos os dentes e nenhuma doença contagiosa (ou coisa parecida). Não se faz muito esforço e bem... você sabe, sempre tem umas bichinhas para a gente arrochar. "Bichinha", como já te disse, lá no meu Rio Grande quer dizer mulher gostosa. Nada a ver com a bichinha aqui de vocês. Lá em casa, agora pelas férias, tem sempre companhia das boas. Você ia achar uma belezura. O forró está a cada dia melhor, tenho ido a umas rodas de samba, outro dia fui parar na arquibancada num jogo do São Paulo e achei a idéia muito boa.
Tenho pensado em fazer uma viagem de mochila pela costa oeste do continente, lavar prato por um tempo na gringa ou quem sabe até, voltar para o Rio Grande e vender água de coco em Pipa.
Meu amigo, vou acabar essa carta por aqui se não perco meu vôo, a moça da infraero já está me ameaçando pelo falante com aquela voz amanteigada.
Vê se escreve, seu porcaria!
Inventado por: Henrique Neto às 07:47 | Link |
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