Como é dura a vida de quem não tem (nem quer) uma TV
Não tenho vocação para ficar rico. Descobri isso ontem na fila do supermercado. Os alcoólatras – dizem – têm um ‘momento de iluminação’ antes de decidirem parar com o vício, acho que foi isso que me ocorreu. Um momento de iluminação.
Explico: a geladeira de minha casa clamava por atenção, e minha dispensa lembrava aquelas velhas cidades dos filmes de faroeste onde só a poeira marca presença. Já estava enjoado da coxinha do boteco da esquina, quando então, após dias e dias relutando, fui ontem ao supermercado cuidar desse assunto de ordem prática.
Eu não vou nem dizer a raiva que sinto a cada vez que tenho de ir a um supermercado. Nem tente imaginar, minha nobre radiouvinte. É algo que transcende o campo da racionalidade e me deixa realmente emputecido. Melhor tratar um trauma por vez, afinal tenho poucos minutos aqui nesse divã.
Estava eu na fila do supermercado, quando a mocinha do caixa numa curiosa novilíngua tipicamente paulistana, me disse:
– No caso o senhor vai poder estar retirando quatro cupons para poder estar participando de nossa promoção.
Lá vou eu para a fila dos cupons – sim, aqui fila é um vício – crente que poderia faturar uma casa, um carro, ou quiçá um vale-compras vitalício na alardeada promoção, quando me deparo com a cáustica realidade. Para participar da dita, eu teria que acompanhar a programação de um canal de segunda linha, e quando no meio do reclame piscasse uma luz vermelha, eu deveria correr para frente da TV com os cupons em punho, para ver se era eu o sortudo da vez.
Achei a proposta tentadora. Aliás, não sei nem por que não dei meia volta e comprei logo uma TV para não perder essa chance de ouro. Ora, ora, meus caros gerentes-de-marketing-das-redes-de-varejo! Onde já se viu ocupar os pobres dos seus clientes com tamanha aporrinhação?
Ganhar dinheiro assistindo TV, para mim, configura uma forma ilícita de enriquecimento. CPI já! Imagino até o samba do crioulo manco que seria a tal comissão. A senadora Heloísa Helena, extrator de grampo em punho, perdigotando em quanto brada aos quatro ventos:
– Como o senhor, nobre deputado, explica a constituição de sua fortuna só assistindo ao programa da Sonia Abraão? E essas férias em Paris, o Sr. quer convencer a essa casa que pagou com uma tarde assistindo o Domingo Legal? Isso é uma pouca vergonha. Coisa de cabra safado!
Não, não. Depois de aprazíveis quatro anos sem TV, não é por uma promoçãozinha qualquer que vou me render aos domínios dela, que também já foi docemente chamada pelos mais ortodoxos de “a imagem da besta”. Continuarei firme na minha abstinência televisiva e livre dos canastrões em suas comissões de inquéritos.
Eu continuarei passando muito bem, mesmo sem um TV de plama de 42 polegadas.
Inventado por: Henrique Neto às 18:53 | Link |
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