Filme romântico-niilista


A mocinha arrependida querendo voltar.

Cortei nessa cena. Sei que você não vai gostar. Vai dizer que ficou clichê e eu vou pensar na quase impossibilidade de não o ser.

Foi naquele sábado em que folgamos com o relógio, que pensei em tomar outras atitudes. Talvez, antes de falar do mais sério, comprasse flores, botasse um disco de Roberto e ensaiasse umas coisas bem bonitinhas que tinha pensado em te dizer. Mas daí me lembrei das armadilhas da previsibilidade, e declinei ao convite. Logo eu.

Era bem cedo (ou teria sido tarde?) quando me ligou para contar amenidades. Você falou sem respirar, quase não usou vírgulas e nesses hiatos, me disse que sim, 'Ainda tinha saudades'. Tentei responder qualquer coisa como 'eu também', aí foi você de novo quem me emudeceu anunciando seu amor.
Eu, me acabando de medo de cair nessa fogueira
Eu, vivendo a plenana primavera do 'ainda é cedo'
Eu, na minha melhor atuação de O Homem-clichê

Adiantei alguns quadros até aquela parte onde a mocinha, enquanto arruma o guarda-roupa, percebe que está enganado a si mesma. Exatamente nessa cena, ela para, olha para a frente e como se procurasse algo entre as roupas penduradas nos cabides, tem o tal momento de iluminação. Daí rola um flash-back na sua cabecinha quase frívola.

Mais uma cena-clichê, eu sei.

Já quase no fim do filme, o mocinho compra uma flor para enfeitar a casa dela. Ela recebe a flor, e enquanto busca um vaso, lhe diz: 'Flores ficam bem com vinho, darling!'. Pelo tom em que ela articula o 'darling', ele percebe que perdeu uma ótima chance com medo de parecer clichê.

Contei como tinha imaginado o fim da história, ela ouviu tudo quieta e me olhando com grande curiosidade. Não fez perguntas nem nada comentou, e permaneceu com uma cara densa por alguns segundos. Depois, com um constrangimento que não lhe caia bem, pediu que botasse O Portão* como música de fundo na cena final.


* Dia desses, meu irmão me confidenciou que chora a cada vez que ouve essa música.